quinta-feira, novembro 25, 2004

Crônicas de UTI – Parte I

Em 1990, o dia 12 de agosto caiu num domingo, dia dos pais. Pena que meu pai não tem lembranças agradáveis daquele dia dos pais, quando foi acordado por volta das seis horas da manhã com o telefone tocando e a notícia de que seu filho mais velho – eu – com dezoito anos, estava internado no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre vítima de um acidente automobilístico. Um péssimo dia dos pais aquele 12 de agosto de 1990.

Tudo começara na noite anterior, quando eu tinha saído de casa para fazer festa com uma turma. O meu colega de faculdade que tinha carro à disposição me pegara em casa e fôramos em direção ao bairro Moinhos de Vento onde haveria a festa em questão. Paralelamente a isso, eu sabia que uma parte da minha turma da praia estaria nesta mesma festa e havíamos combinado de sair todos juntos. Chegando ao local, por alguma razão que o tempo já tornou um mistério, decidimos – todos – ir a um bar na Av Vinte e Quatro de Outubro, de nome “Bat-Bat”.

Lá chegando, houve um mal-entendido e acabamos – eu, o colega que havia me dado carona e uma colega (e ex-namorada minha) – ficando em mesas separadas, eu junto com a minha turma da praia e os dois sozinhos. Achei estranho eles dois não sentarem junto comigo e o resto do pessoal conhecido, mas como era festa, deixei para lá. Algumas vezes fiz sinal para que eles dois se juntassem a nós, mas preferiram não fazê-lo. Isso durou toda a noite, até a hora de ir embora.

Como eu estava de carona com este meu colega, certamente que eu iria voltar para casa com ele, e também a colega e ex-namorada e dois dos meus companheiros da turma da praia, conforme previamente combinado. Quando fomos sair, notei que o colega dono do carro havia bebido um pouco além do recomendado, e me ofereci para ir dirigindo, proposta recusada pelo dono do carro. Parênteses. Eu também havia bebido, claro, mas infinitamente menos que ele, pois eu não tinha o hábito de beber muito, com exceção de alguns carnavais do bloco Perversa, mas isso é história para outro dia. Fecha parênteses. Nosso roteiro de volta para a zona sul e deixando os caroneiros em casa iniciava pela zona norte, lá perto do estádio do São José, próximo à Av Assis Brasil e ao viaduto Obirici, onde morava a nossa colega (e minha ex-namorada). Depois, parava na Av Schiller, paralela à Goethe e, antes de seguir para a zona sul (Cristal e Ipanema) parava nos altos da Casemiro de Abreu.

Logo na primeira parte, notamos que o motorista estava com sua percepção alterada pelo álcool, e quando paramos para largar a primeira passageira, decidi que eu iria dirigir de qualquer jeito. Ele desceu do carro para acompanhá-la até em casa e eu assumi o volante. Ele havia levado a chave e disse que ele é quem dirigiria. Então eu resolvi que iria de ônibus. Detalhe: 5h15 da madrugada, Av Assis Brasil tendo que ir até o Cristal (atravessar Porto Alegre de norte a sul) de ônibus ou a pé. Saí caminhando pela rua em direção a um ponto de ônibus.

Ele veio atrás de carro e se comprometeu a dirigir com cuidado. Aceitei a proposta e seguimos. Largamos o segundo e fomos até a frente da casa do último antes de ir para o Cristal: o Rafael Bender, parceiro de muitos anos até hoje. Quando ele desceu do carro, deu a dica: colocar o cinto de segurança. Acho que fiz isso, não lembro bem. O que aconteceu depois, me contaram: na Av Ipiranga, quase na esquina com a Múcio Teixeira, provavelmente após pegarmos no sono, ele bateu com o carro num outro estacionado, no lado direito da rua, e justamente no lado em que eu estava dormindo, tranqüilo.

Retirado das ferragens pelos bombeiros, traumatismo crânio-encefálico, coma Glasgow 4 (bem ruim). Internação no HPS com posterior transferência para o Hospital São Lucas da PUCRS, onde eu estudava medicina e trabalhava até vir para o Canadá. Treze dias em coma e quatorze na UTI. No quarto, após sair da UTI, fiquei mais dez dias, com febre e uma maldita amigdalite. Não perdi o semestre na faculdade porque – providencialmente – naquele mesmo sábado, véspera do dia dos pais, os professores da PUCRS tinham entrado em greve, que durou até bem depois de eu voltar a assistir aula, cambaleante e sem firmeza ao andar.

Não lembro muita coisa daqueles dias do coma, apenas a sensação, quando acordei, de que havia dormido mais do que deveria. O engraçado é que eu sabia que estava num hospital, achava que era o Ernesto Dornelles, outro hospital de Porto Alegre, e tinha a impressão de que estava num quarto com uma grande janela de vidro que dava para um campo com uma colina ao fundo, um grande gramado verde e dias de sol intenso. Não tive vontade de caminhar por este campo nem seguir em direção à luz nenhuma. Acordei com uma vontade enorme de ver minha mãe.

Em 12 de agosto de 1990, morri. Mas como acho que não era minha hora, voltei. Colocar a cabeça em ordem depois disso não foi fácil, levou tempo, mas tudo terminou bem.

2 comentários:

Luly :) disse...

Oi, Marcelo!

Que bom que é vc a contar essa história agora, né? Claro que seria melhor nem ter essa história pra contar!!!
É sempre assim, depois que os acidentes acontecem, sempre dá pra se analisar as "coincidências" e os "se"... por exemplo, SE vc tivesse pego o ônibus, isso teria acontecido?! Tem gente que diz que sim, que tudo está escrito, mas... vai saber...
Mistérios da vida!
Bjos!

Luly :)

Anônimo disse...

Oi Marcelo,
Achei incrivel sua experiência, nunca havia lido o relato de uma pessoa que passou por um coma. Que bom que hoje vc está aqui para nos contar. Vc nasceu de novo, parabéns ! abraços,